Recentemente, fui consultado por uma cliente, que se encontra em situação financeira bem precária e que, inclusive, estava com o seu único imóvel financiado indo a leilão.
Consternado, a perguntei o porquê chegara a tal ponto, e ela entristecida disse: “que por um longo período emprestara dinheiro ao namorado para que este pudesse realizar seus anseios em abrir negócios, mas todas as tentativas empresárias foram insucessos e via de consequência, ela acumulou muita dívida”.
Mais decepcionada ainda a cliente ficou quando ouviu do namorado a célebre frase: “o amor acabou”. Ou seja, ficou sem o suposto amor e com dívidas para saldar, uma vez que muitas operações financeiras do ex-namorado foram realizadas no nome dela por possuir créditos bancários.
Mediante esses fatos, e a fim de evitar que outras pessoas na fase da “chama da paixão” corram este tipo de risco, desenvolvi este artigo para te ajudar e também para que você tenha precaução quando se tratar de “dinheiro”.
O que ocorre é que hoje as jurisprudências dos Tribunais Superiores, em especial Superior do Tribunal de Justiça, não vêm sendo favoráveis quando se trata de “empréstimo entre namorados”.
E, por quê?
Simples, por ausência de prova. A pessoa que se considera vítima de estelionato sentimental (artigo 171 do Código Penal)[1] deve provar que na verdade, determinado valor se trata de empréstimo e não de manutenção da relação existente.
E, como faço para provar que estou emprestando uma importância e não agindo em caráter de mera liberalidade? Como, por exemplo, doando ou contribuído para manutenção da relação existente.
É preciso constituir prova, como já dito. Se o “amorzão” pedir dinheiro emprestado, ele mesmo definiu o ato jurídico – pedir dinheiro emprestado- então, cabe a você materializar tal relação, através da assinatura de um documento, que pode ser feito tanto com a ajuda de um advogado, elaborando um contrato e/ou confissão de dívida, ou somente entre você e a “sua vida”, a fim de garantir êxito em demanda judicial, caso o amor acabe.
Apresento abaixo a decisão da Terceira do Turma do Superior do Tribunal de Justiça a qual se posicionou no sentido de que para configurar empréstimo entre namorados se faz necessário provar:
Direito Civil e Processual Civil. Doação à namorada. Empréstimo. Matéria de prova. I - O pequeno valor a que se refere o art. 1.168 do Código Civil há de ser considerado em relação à fortuna do doador; se se trata de pessoa abastada, mesmo as coisas de valor elevado podem ser doadas mediante simples doação manual (Washington de Barros Monteiro). II - No caso, o acórdão recorrido decidiu a lide à luz da matéria probatória, cujo reexame é incabível no âmbito do recurso especial. III - Recurso especial não conhecido. (STJ - REsp: 155240 RJ 1997/0081824-1, Relator: Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Data de Julgamento: 07/11/2000, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: --> DJ 05/02/2001 p. 98 JBCC vol. 188 p. 171 LEXSTJ vol. 141 p. 124 RSTJ vol. 141 p. 319)
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro também entende da mesma forma, a título de ilustração, destaca-se o entendimento da Décima Nona Câmara Cível, de relatoria do Desembargador Guaraci de Campos Vianna, por maioria, que reformou a sentença para julgar improcedente ação de cobrança ajuizada contra ex-namorado:
DIREITO CIVIL. COBRANÇA. EMPRÉSTIMO ENTRE NAMORADOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS FATOS CONSTITUTIVOS DO DIREITO DO AUTOR. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA PARCIALMENTE PROCEDENTE. CONDENAÇÃO DO ORA APELANTE À RESTITUIÇÃO DA QUANTIA QUE ALEGA A ORA APELADA TER SIDO REPASSADA PELA RUBRICA DE EMPRESTIMO VERBAL. EXISTÊNCIA DE RELACIONAMENTO AMOROSO ENTRE OS LITIGANTES, NO PERÍODO EM QUE A AUTORA EFETUOU TRANSFERÊNCIAS PARA A CONTA CORRENTE DO RÉU, PAGOU DESPESAS NO SEU CARTÃO DE CRÉDITO E IPVA DO VEÍCULO DO MESMO. PROVA DOS AUTOS NO SENTIDO DE QUE AS REFERIDAS QUANTIAS NÃO FORAM TRANSFERIDAS A TÍTULO DE EMPRÉSTIMO, MAS PARA MANUTENÇÃO DO RELACIONAMENTO DE AMBOS. PARTE AUTORA NÃO SE DESINCUMBIU DO ÔNUS DE PROVAR O FATO CONSTITUTIVO DO SEU DIREITO (ART. 373, I, DO CPC), NÃO TENDO TRAZIDO NENHUMA PROVA AOS AUTOS QUE INDICASSE QUE AS TRANSFERÊNCIAS FORAM FEITAS A TÍTULO DE EMPRÉSTIMOS. OS COMPROVANTES DE TRANSFERÊNCIAS EFETUADOS NÃO SE PRESTAM A COMPROVAR A ALEGADA OPERAÇÃO DE EMPRÉSTIMO, MORMENTE PORQUE HAVIA ENTRE ELES RELAÇÃO AMOROSA E DE CONFIANÇA, O QUE REVESTE DE VEROSSIMILHANÇA A ALEGAÇÃO DA PARTE RÉ DE QUE AS REFERIDAS TRANSFERÊNCIAS SERIAM PARA MANUTENÇÃO DA RELAÇÃO EXISTENTE, BEM COMO, SOB FORMA DE PRESENTES (DOAÇÃO). SENTENÇA QUE SE REFORMA. RECURSO PROVIDO PARA JULGAR IMPROCEDENTE AÇÃO. INVERSÃO DA SUCUMBÊNCIA COM FIXAÇAO DE HONORARIOS EM 10% SOBRE O VALOR DA CAUSA, ACRESCIDO DE SUCUMBENCIA RECURSAL EM 2% SOBRE O VALOR ATUALIZADO DA CAUSA.
Conclui-se, portanto, a necessidade de provar, sim, que determinado valor foi “emprestado” e não “doado” e muito com houve animus de “manutenção da relação existente”.
[1] Artigo 171 do CP. O estelionato ocorre na hipótese em que alguém induz uma pessoa a falsa concepção de algo, com o simples intuito de obter vantagem ilícita para si ou para outrem, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artificio ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.